O caso contra a maconha medicinal no Brasil

Por Antônio Geraldo da Silva, MD

Recentemente, o Brasil tornou-se um dos muitos países que autorizou a prescrição e manipulação de medicamentos que contêm cannabidiol e tetrahidrocannabinol (THC), constituintes ativos de maconha. Na prática, o THC também foi legalizado. Antes, o componente só era permitido em forma secundária, ou seja, como parte da composição dos medicamentos legais. O assunto foi discutido nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e ainda estamos longe de um consenso médico sobre o tema.

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Fonte: Fonte: Cortesia Antônio Geraldo da Silva

Como médico e psiquiatra, eu discordo categoricamente de que existe uma coisa de maconha medicinal, mesmo que muitos acreditam no contrário. Como qualquer droga ilícita, a maconha ocupa muito espaço na imaginação da sociedade e vem ganhando uma aura de benignidade sem evidências científicas confiáveis. A verdade é que é ingênuo e errado dizer que a maconha é uma droga leve ou uma droga terapêutica.

Muito tem escrito sobre os efeitos nocivos da maconha quando inalado sob a forma de fumaça, mas a maioria dos trabalhos sobre o assunto não deixou suficientemente claro para o público em geral que o potencial tóxico associado à maconha depende principalmente de dois fatores: o início do uso durante a adolescência ea freqüência e quantidade de uso. No primeiro caso, o uso da substância terá maior chance de interferir com o desenvolvimento do cérebro, prejudicando a eliminação de conexões neurais não utilizadas e o desenvolvimento da substância branca, que coordena a comunicação entre diferentes regiões do cérebro. No segundo caso, quanto maior ou mais potente a dose, maior a absorção de THC. Esta substância atua sobre áreas do cérebro que estão envolvidas na regulação das emoções.

Há aqueles que fumam maconha e permanecem ilesos, mas muitas pessoas experimentam o contrário. Há provas de que o uso de maconha piora condições psiquiátricas comuns, como esquizofrenia, depressão e transtorno bipolar. O uso contínuo de maconha pode causar distúrbios psicóticos após uma média de dois a sete anos. O risco de desenvolver esquizofrenia, por exemplo, é duas vezes maior para usuários em comparação com não usuários.

Mesmo que a maneira pela qual a maconha atua no desenvolvimento das psicoses não tenha sido perfeitamente entendida, a associação não surpreende. Os efeitos temporários mais fortes da droga são muito semelhantes aos sintomas das psicoses, incluindo memória e déficit de cognição e distorção de estímulos externos. Enquanto a droga está ativa, os usuários freqüentemente têm dificuldade em aprender coisas novas e lembrar de algo, e podem até ter delírios e alucinações. Demonstrou-se que o uso desta substância pode causar as primeiras crises graves de alguns distúrbios mentais, alterando a história natural dos pacientes que poderiam passar pela vida sem prejuízo dos riscos transmitidos geneticamente.

Pode até ser verdade que o THC e o cannabidiol têm algum efeito no tratamento da epilepsia e da esclerose múltipla, mas o melhor da ciência ainda é incapaz de afirmar isso com certeza. O próprio FDA nunca aprovou o uso clínico destes dois componentes da maconha. Esta discussão, portanto, é urgente. Antes de chegar a qualquer conclusão, as autoridades precisam disponibilizar mais informações sobre o assunto. Só depois disso, a população poderá discutir este assunto com mais precisão e com a atenção que merece.

Antônio Geraldo da Silva é o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)