(Dis) Confiança na Ciência

Estudos recentes mostram como combater a desinformação.

Woman looking at homeopathic medicine /Wikimedia Commons

Fonte: Mulher olhando para medicina homeopática / Wikimedia Commons

Em 2016, pelo menos 10 crianças americanas morreram e mais de 400 ficaram doentes depois de tomarem remédios homeopáticos misturados com uma erva venenosa chamada “beladona”. Transportados pela CVS, Walgreens e outras grandes farmácias americanas, as pílulas continham esse veneno baseado no princípio da medicina alternativa da homeopatia, o tratamento de condições médicas por pequenas doses de substâncias naturais que produzem sintomas da doença.

Essas crianças não precisaram morrer. Numerosos estudos mostram que a homeopatia não funciona. Apesar dessa pesquisa, a homeopatia é um negócio de bilhões de dólares que cresce rapidamente, tirando proveito da desconfiança das pessoas na ciência e da falta de regulamentação governamental sobre a “medicina alternativa”.

Essas mortes estão entre as muitas conseqüências terríveis da crise de confiança sofrida por nossas instituições nos últimos anos. Enquanto as manchetes se concentram no declínio da confiança na mídia e no governo, a ciência e a academia não estão imunes a essa crise de confiança, e os resultados podem ser fatais.

Considere que, em 2006, 41% dos entrevistados em uma pesquisa nacional expressaram “muita confiança” no ensino superior. Menos de 10 anos depois, em 2014, apenas 14% dos pesquisados ​​mostraram “muita confiança” na academia.

E quanto à ciência como distinta da academia? Pesquisas mostram que o número de pessoas que acreditam que a ciência “tornou a vida mais difícil” aumentou em 50% de 2009 a 2015. De acordo com uma pesquisa de 2017, apenas 35% dos entrevistados têm “muita” confiança nos cientistas; o número de pessoas que não confiam em todos os cientistas aumentou em mais de 50% de uma pesquisa semelhante realizada em dezembro de 2013.

Esse desmoronamento da confiança na ciência e na academia faz parte de um padrão mais amplo, o que Tom Nichols chamou de A morte da especialização em seu livro de 2017. Um número crescente de pessoas afirma que suas opiniões pessoais têm peso igual às opiniões de especialistas.

As crianças que morrem de beladona na medicina homeopática são apenas uma conseqüência dessa crise de confiança. Por outro exemplo, considere a falsa alegação de que as vacinas causam autismo. Essa crença se espalhou amplamente pelos EUA e leva a uma série de problemas. Por exemplo, o sarampo foi praticamente eliminado nos EUA em 2000. No entanto, nos últimos anos, surtos de sarampo têm aumentado, motivados por pais que não vacinaram seus filhos em várias comunidades.

Deveríamos realmente confiar em especialistas científicos?

Embora todos possamos concordar que não queremos que as crianças sofram, qual é a base subjacente para que as opiniões de especialistas – incluindo cientistas – mereçam mais confiança do que uma pessoa comum na avaliação da verdade da realidade?

O termo “especialista” refere-se a alguém que possui extensa familiaridade com uma área específica, como mostrado por credenciais reconhecidas como uma certificação, um grau acadêmico, publicação de um livro, anos de experiência em um campo ou outra forma que um Uma pessoa razoável pode reconhecer um “especialista”. Os especialistas são capazes de utilizar seu corpo substancial de conhecimento e experiência para fornecer uma opinião, muitas vezes expressa como “análise especializada”.

Isso não significa que a opinião de um especialista sempre estará certa: é muito mais provável que esteja certo do que a opinião de um não-especialista. O princípio subjacente aqui é o pensamento probabilístico, nossa capacidade de prever a verdade da realidade atual e futura com base em informações limitadas. Assim, um cientista que estuda o autismo teria muito mais probabilidade de prever com precisão as conseqüências das vacinas do que alguém que passou 10 horas pesquisando “vacinas e autismo” on-line.

Essa maior probabilidade de os especialistas serem corretos não significa de modo algum que devamos confiar aos especialistas. Primeiro, a pesquisa mostra que os especialistas se saem melhor na avaliação da realidade em ambientes relativamente estáveis ​​ao longo do tempo e, portanto, previsíveis, e também quando os especialistas têm a chance de aprender sobre os aspectos previsíveis desse ambiente. Em segundo lugar, outras pesquisas sugerem que os vieses ideológicos podem ter um impacto fortemente negativo na capacidade de especialistas de fazer avaliações precisas. Em terceiro lugar, as motivações materiais podem influenciar os especialistas a conduzir uma análise favorável ao seu patrocinador financeiro.

No entanto, enquanto os cientistas individuais podem cometer erros, é incrivelmente raro que o consenso científico como um todo esteja errado. Os cientistas são recompensados ​​em dinheiro e reputação por encontrar falhas nas declarações sobre a realidade feitas por outros cientistas. Assim, para a grande maioria deles concordar com algo – para haver um consenso científico – é um indicador claro de que, seja lá o que eles concordarem, reflete a realidade com precisão.

A Internet é para… desinformação

A ascensão da Internet e, mais recentemente, das mídias sociais, é fundamental para explicar a queda da confiança do público na opinião de especialistas.

Antes da Internet, as informações acessíveis ao público em geral sobre determinado assunto geralmente vinham de especialistas. Por exemplo, especialistas científicos em autismo foram convidados a falar sobre esse assunto na grande mídia, grandes editoras publicaram livros dos mesmos especialistas, e escreveram artigos de enciclopédia sobre esse assunto.

A Internet permitiu que qualquer pessoa seja uma editora de conteúdo, conectando pessoas em todo o mundo com todas e quaisquer fontes de informação. Por um lado, essa liberdade é fortalecedora e libertadora, sendo a Wikipédia um ótimo exemplo de uma fonte altamente curada e precisa na grande maioria dos assuntos. Por outro lado, qualquer pessoa pode publicar uma peça de blog, fazendo declarações falsas sobre as ligações entre vacinas e autismo ou a eficácia da medicina homeopática. Se eles são qualificados em otimização de mecanismos de busca, ou têm dinheiro para investir em publicidade, eles podem espalhar amplamente sua mensagem.

Infelizmente, a pesquisa mostra que as pessoas não têm as habilidades para diferenciar informações falsas de informações verdadeiras. Essa falta de habilidades tem efeitos claros no mundo real: basta considerar que adultos norte-americanos acreditavam em 75% de notícias falsas sobre as eleições presidenciais dos EUA em 2016. Quanto mais alguém vê uma informação errônea, maior a probabilidade de acreditar nela.

Blogs com falsidades são ruins o suficiente, mas a ascensão das mídias sociais piorou ainda mais a situação. A maioria das pessoas re-compartilha notícias sem ler os artigos reais, julgando a qualidade da matéria apenas pelo título e pela imagem. Não é de admirar que a pesquisa indique que a desinformação se espalha até dez vezes mais rápido e mais nas redes sociais do que a informação verdadeira. Afinal de contas, o criador de uma notícia falsa está livre para inventar a manchete e a imagem mais atraentes, enquanto fontes confiáveis ​​de informação têm que se ater às manchetes e imagens factuais.

Esses problemas resultam do desastre dos processos de pensamento humano que se encontram na Internet. Todos nós sofremos de uma série de erros de pensamento, como o viés de confirmação, nossa tendência de procurar e interpretar informações de maneiras que estão de acordo com nossas crenças.

Antes da Internet, recebemos nossas informações de fontes como a mídia convencional e enciclopédias, que organizaram as informações para garantir que fossem fornecidas por especialistas, minimizando o problema do viés de confirmação. Agora, a falta de curadoria significa que os erros de pensamento estão nos levando a escolher informações que se ajustem às nossas intuições e preferências, em oposição aos fatos. Além disso, alguns atores estrangeiros inescrupulosos – como o governo russo – e os políticos domésticos usam a desinformação como uma ferramenta para influenciar o discurso público e a política pública.

As grandes lacunas entre o que os cientistas e o público acreditam sobre questões como mudança climática, evolução, OGM e vacinação exemplificam os problemas causados ​​por desinformação e falta de confiança na ciência. Essa desconfiança resulta em grande prejuízo para nossa sociedade, desde crianças morrendo até políticas públicas prejudiciais.

O que podemos fazer?

Felizmente, há medidas proativas que podemos tomar para enfrentar a crise de confiança na ciência e na academia.

Por exemplo, podemos elevar o papel da ciência em nossa sociedade. O movimento March for Science é um ótimo exemplo desse esforço. Realizado pela primeira vez no Dia da Terra em 2017 e repetido em 2018, esse esforço envolve pessoas reunindo-se nas ruas para celebrar a ciência e pressionar por políticas baseadas em evidências. Outro exemplo é a Scholars Strategy Network, um esforço para apoiar os acadêmicos na popularização de suas pesquisas para um público amplo e conectar os acadêmicos aos formuladores de políticas.

Nós também podemos lutar contra o flagelo da desinformação. Muitos governos mundiais estão tomando medidas para combater falsidades. Embora o governo federal dos EUA tenha desistido desse problema, vários estados aprovaram esforços bipartidários que promovem a alfabetização midiática. Da mesma forma, muitos grupos não-governamentais estão buscando uma variedade de esforços para combater a desinformação.

O Compromisso da Pró-Verdade combina a luta contra a desinformação com a defesa da ciência. Fundada por um grupo de especialistas em ciência comportamental (incluindo eu mesmo) e cidadãos preocupados, a promessa pede que figuras públicas, organizações e cidadãos particulares se comprometam com 12 comportamentos listados no site da promessa que a pesquisa em ciência comportamental mostra correlacionada com veracidade. Os signatários são responsabilizados por meio de um mecanismo de relatórios e avaliação de crowdsourcing, enquanto recebem recompensas de reputação por causa de seu comprometimento. O consenso científico serve como uma medida-chave de credibilidade, e o compromisso encoraja os jurados a reconhecer as opiniões dos especialistas como mais prováveis ​​de serem verdadeiras quando os fatos são contestados. Mais de 500 políticos assumiram o compromisso, incluindo membros das legislaturas estaduais Eric Nelson (PA) e Ogden Driskell (WY), e membros do Congresso dos EUA Beto O’Rourke (TX) e Marcia Fudge (OH). Dois estudos de pesquisa na Ohio State University demonstraram a eficácia do compromisso em mudar o comportamento dos tomadores de compromisso para ser mais veraz com um forte significado estatístico. Assim, assumir o compromisso e incentivar as pessoas que você conhece e seus representantes eleitos a assumirem a promessa é uma ação fácil para combater a desinformação e promover a ciência.

Conclusão

Eu tenho um sonho que um dia, as crianças não estarão morrendo de tomar remédios homeopáticos venenosos ou adoecer com sarampo porque seus pais depositam sua confiança em um blogueiro aleatório em vez de estudos científicos extensivos. Eu tenho um sonho de que as escolas ensinem alfabetização midiática e as pessoas saberão como avaliar as informações sobre fogo que surgem em seu caminho. Eu tenho um sonho que todos nós sabemos que sofremos com erros de pensamento, e atentamos para o viés de confirmação e outros problemas. Eu tenho um sonho que a crescente desconfiança dos especialistas e da ciência parecerá um pesadelo. Eu tenho um sonho que nossos netos acharão difícil acreditar em nossa realidade atual quando contamos histórias sobre os velhos e maus dias.

Para viver esses sonhos, todos nós, que nos preocupamos com a verdade e a ciência, devemos agir agora, antes de cairmos mais abaixo na ladeira escorregadia. Nosso ecossistema de informações e mecanismos de credibilidade estão quebrados. Apenas um terço dos americanos confia em cientistas e a maioria das pessoas não pode dizer a diferença entre verdade e falsidade online. A falta de confiança na ciência – e a confiança excessiva em fornecedores persuasivos de desinformação – é talvez a maior ameaça à nossa sociedade agora. Se não nos afastarmos da beira, nosso futuro não será um sonho: será um pesadelo.